
Então, só a putrefação nos dá identidade.
Cheirosos e bem vestidos, banhados em perfumes,
caminhamos por shoppings, templos que nos unem,
com almas cheias de artificialidades
Aliás,
vão onde habitava uma alma quando havia fé,
quando íamos a igreja em busca ao Pai,
tempo de Nós, antes do Eu, Eu que agora cai
Nesse declínio, Nós retornamos em pé
No ritual,
a cafeína dá sabor ao sangue insosso,
a nicotina ocupa o ermo dos pulmões,
prestamos a atenção enquanto o outro se expõe
eis a nossa prece, a busca pelo gozo
Desde de o nascimento,
nossa vida foi organizada em cima dum Buraco
no qual jogamos alimentos para tapar
Erosões acontecem a todo instante - azar
Fome eterna, Lhe-enfiamos cerveja e churrasco,
mas não basta.
Dia após dia nossa cova cresce
Com o trabalho tentamos contê-la,
estudantes buscam formas pra detê-la,
mas ela ainda ignora nossa prece
Também,
nem a mais alta tecnologia
pôde fechar a lacuna
A nossa razão se tornou vazia
Nós falhamos, em suma
No desespero,
nós despejamos baldes de palavras
Nosso vocabulário é muito curto,
pois nem mesmo chega ao fundo em amarras
e, assim, nosso silêncio é um surto
É óbvio,
sabe por que desistimos do Eu,
por que voltamos ao Nós?
Perceba como o Buraco cresceu
O conteríamos a sós?
Mas,
nós poderemos evitá-Lo juntos?
pois o que nele jogamos
nem sequer tocou o seu fundo,
nem mesmo desfez seus ramos
Enfim,
nosso esforço não foi ao todo obsoleto
Depois de perdermos todos nossos pertences
naquela imensidão pintada de preto,
descobrimos Seu objetivo latente,
o motivo pelo qual Ele existe
Demos nossos perfumes, nossos alimentos,
tudo que havia de belo e de triste
Ficamos com corpos secos e pestilentos
Descansamos na aurora
Devoramos nossos músculos
Nos deitamos nesta hora
Sucumbimos no crepúsculo
Nosso prêmio por desistirmos da vaidade:
em troca de tantas quinquilharias,
nós recebemos o frasco de identidade
o odor do fim, o que a gente faria?
-------------------
postado por Um de Nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário